Bendamustina é um medicamento importado, quimioterápico de uso
intravenoso indicado para o tratamento de leucemia linfótica crônica, que
consta da lista da Organização Mundial de Saúde (OMS) como um dos 16
medicamentos oncológicos essenciais de referência para o tratamento contra o
câncer. Esse medicamento foi registrado nos Estados Unidos em 2008, sob o nome
comercial Treanda® e, mesmo sendo um medicamento de referência da OMS, somente
teve seu registro aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) em dezembro de 2016.
É importante lembrar que os planos de saúde tem o dever de fornecer acesso a
tratamentos modernos e medicamentos com menos agressividade, além de
diagnósticos menos invasivos. Com o registro, o medicamento passou a ser considerado
nacionalizado e, tratando-se de um quimioterápico de uso intravenoso, uma vez
prescrito pelo médico assistente, não há escusas que autorizem a negativa de
cobertura por parte dos planos de saúde. Apesar do registro, o medicamento só
será comercializado no país após a Câmara de Regulação do Mercado de
Medicamentos (CMED), da Anvisa, definir o preço de venda. Enquanto isso não
ocorre, ainda é necessária sua importação e as operadoras se valem da lentidão
da Anvisa para continuar a glosar a cobertura do tratamento, alegando que a lei
dos planos de saúde permite a exclusão de cobertura para medicamentos
importados.
Essa alegação somente poderia ser
considerada não abusiva se houvesse no país outro medicamento similar ao
importado e desde que o paciente não fosse refratário ao medicamento nacional.
Decisão favorável
Conheço diretamente do pedido, nos termos do art. 355, I do CPC. A lide se
estabelece quanto à exclusão contratual do procedimento indicado à autora, por
se tratar de medicação importada, sem registro na ANVISA. Inicialmente,
relevante destacar a aplicabilidade da lei no. 9.656/98 e do CDC, porquanto a
controvérsia leva em conta o contrato e os princípios sociais inerentes à
própria atividade da apelante, os quais são complementados pela legislação
consumerista que não permite interpretação desfavorável ao consumidor. A
negativa de autorização fere o art. 51, IV do Código de Defesa do Consumidor,
na medida em que coloca a paciente em desvantagem, retirando dela a chance de
tratamento de sua grave doença, contrariando, ainda, a função social do
contrato, prevista no art. 421 do Código Civil. Ainda, o parágrafo 1º, art. 51
do CDC reza que se presume exagerada, entre outros casos, a vantagem que ofende
os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence, que “restringe
direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal,
modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual.”
Frise-se que a exclusão de
procedimento/medicamento necessário ao tratamento da doença representa a
própria exclusão da doença. Se aplicada a cláusula de exclusão, haveria
desvirtuação da finalidade do contrato, atenuando o compromisso e a
responsabilidade assumida, contratual e legalmente, deixando o paciente em
exagerada desvantagem, incompatível com o princípio da boa-fé e com o
equilíbrio do ajuste, restringindo direitos fundamentais próprios do contrato
(direito à saúde e à vida), o que é vedado por lei (art. 51, I e IV e § 1º, I e
II do CDC). A exclusão do diagnóstico não pode prevalecer. Este é o caso da
cobertura apenas de tratamentos constantes do rol da ANS ou de medicamentos
regulamentados pela ANVISA. Frise-se que os procedimentos, materiais, técnicas
e medicamentos são diariamente modernizados e não se espera que as regulamentações
da ANVISA, que são precedidas de trâmites burocráticos acompanhem a rápida
evolução técnica e científica da medicina sem uma defasagem no tempo.
Não se alegou que o contrato firmado entre as partes exclui a cobertura do
tratamento da doença que acomete a autora, de modo que, em consequência, o
procedimento pretendido (que visa tratar a doença) não poderia ser negado.
Abusivo é o impedimento de o segurado receber o tratamento por novo método
decorrente da evolução da medicina, considerado moderno e disponível. Patente o
confronto entre a cláusula invocada pela requerida, aplicando-se ao caso as
súmulas 95 e 102 do Egrégio Tribunal de Justiça: Súmula 95: Havendo expressa
indicação médica, não prevalece a negativa de cobertura do custeio ou fornecimento
de medicamentos associados a tratamento quimioterápico.
Súmula 102: Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de
cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental
ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS. Tem-se que ocorreu a
indicação médica para o tratamento oncológico, objeto da lide, de forma que não
cabe ao plano de saúde limitar o tratamento a ser realizado, sob pena de
ingerência na questão técnica médica. Nesta esteira, é ilegítima a negativa de
cobertura. Quanto aos danos materiais, eis que a comprovação do custeio pelo
autor do tratamento a que vem se submetendo se encontra às fls. 26/55,
constando ali recibos e notas fiscais, apontando, inclusive que foram pagos por
meio de cartões de crédito. Os valores que serão reembolsados se referem às
importâncias não glosadas, que devem ser atualizadas pela tabela DEPRE desde o
desembolso, acrescidos de juros de mora de 1% a.m. desde a mesma data.
No tocante aos danos morais, verifico que restaram caracterizados. A recusa se
mostrou abusiva e afrontou a boa-fé objetiva que deve nortear o cumprimento dos
contratos, colocando a autora em situação de vulnerabilidade no momento em que
sua saúde já se encontrava debilitada, ressaltando-se, ainda o entendimento de
que a indenização do dano moral possui função pedagógica, além de punitiva e
compensatória. Quanto ao valor, deve-se atentar à situação fática, aos
elementos dos autos, aos valores envolvidos na ação e à situação econômica das
partes, de forma que seja capaz de punir o ofensor, evitando-se recidivas e
compensar o lesado, sem enriquecer a vítima ou gerar grave prejuízo ao ofensor.
Desta análise, tenho que o valor de R$ 10.000,00 mostra-se razoável.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados e extinto o processo,
nos termos do art. 487, I do CPC. Condeno a ré a reembolsar os valores gastos
pela parte autora, com atualização pela Tabela DEPRE e juros de mora de 1% a.m.
desde o desembolso e a indenizar os danos morais sofridos pela autora no valor
que arbitro em R$ 10.000,00, atualizados desde esta publicação e com juros de
mora de 1% a.m. desde a citação. Pela sucumbência, arcará a ré com as despesas
processuais e com os honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da
condenação.
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